Mar 6, 2012

As calientes aventuras de Wando Goméz Muñoz

Olá, meus amigos!

É com enorme prazer que faço uma limpeza na casa e tiro todas as teias de aranha para postar mais um conto da série "Wandos do meu Brasil" - Para ver todos os contos da série clique no link de categorias com o mesmo nome. Dessa vez meu letroso favorito, Pedro Grizotti, me surpreendeu positivamente com sua veia humorística. Cada parágrafo teve sua devida dose exagerada de risadas!  Como sempre o exagerado fez um texto gigantesco, mas muito bom de ser lido. Leiam e se divirtam com o caliente Wando!

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Na certidão, ele era Francisco Wando Pereira Dias, mas esse não era nome à altura de seu garbo e grandiloquência. Nascido no pequeno município potiguar de Pau dos Ferros – esse sim, batizado mais de acordo às inclinações de nosso protagonista – veio a Natal ainda em tenra idade, coisa de uns oito ou nove anos. Mas não pense logo que Chico Wando era um menino pobre, filho de retirantes que se mudaram para a capital em busca de uma oportunidade na vida, pois a verdade era exatamente o inverso: a família Dias tinha tantos “doutores” que mais parecia um hospital particular – não o conveniado ao seu plano de saúde, porque esse não funciona nem por reza baiana – ou até certa universidade localizada na Avenida Salgado Filho. Entretanto, isso não evitava que Wando sofresse bullying devido à sua origem interiorana, embora na época não houvesse um termo tão sofisticado para algo que sua parentada pé-rachada chamava simplesmente de frescura. Mas toda a raiva e humilhação apenas fariam aquecer sua fornalha interior, motivando-o ainda mais a – não, ele não se tornou uma criança traumatizada – crescer e se tornar melhor do que todos. Típico exemplo de orgulho burguês, você logo pode notar.

Foi essa motivação deturpada e fútil, somada ao desejo de tomar parte na efervescente vida citadina natalense – uma doce ilusão nutrida por muitos anos de fantasia – que o fizeram assumir sua nova identidade. E assim, após assistir a um episódio de uma terrível novela mexicana dos anos 90, o jovem Chico Dias, então no início de sua adolescência, tornou-se Wando Goméz Muñoz. Deslumbrado com os sedutores bigodes alongados que via na televisão, cultivou o seu próprio, adereço que logo se tornaria sua marca registrada. Ali nasceu sua vingança aos abusos infantis: ele se tornaria o maior galanteador que as terras potiguares já viram – o que, no fundo, não é lá grande coisa – provando-se superior no mais sagrado campo do orgulho masculino. Naquele instante, trovões caíram do céu numa sinfonia titânica, provendo o pano de fundo épico que aquele momento merecia – ou você acha que um moleque estaria enfurnado em casa assistindo novela por vontade própria? Bem, pode até ser nesses estranhos tempos modernos, mas não na época do recém-nascido Wando Goméz.

Entretanto, Wando sabia que apenas um nome novo não seria suficiente. A muito custo fez alguns amigos rock n’ roll – que em Natal moram em catacumbas tão profundas que nunca foram tocadas pelo sol, o que é tão absurdo quanto você está imaginando – e começou a aprender a dedilhar um violão, muito mais interessado em pôr seus dedos imundos em outras coisas. Quando já havia aprendido o suficiente, ignorou todas aquelas lições sobre grunges, punks e metaleiros – divisão que para ele não fazia o menor sentido – e todo aquele papo existencialista e revolucionário em prol de algo muito mais nobre: mulheres. Claro que ele se tornou um proscrito no submundo dos rockeiros natalenses, o anátema do exército negro, mas isso nunca fez diferença em sua vida – seus inimigos eram tão poucos que no final das contas ele nunca mais topou com um novamente. O violão de Wando passou a tocar apenas a linguagem do amor, músicas doces como um cupcake, cantadas com um desconcertante – no bom e no mau sentido ao mesmo tempo – sotaque portunhol. A transformação estava então completa.

Assim, mais terrível que o bug do milênio, Wando lançou-se à caça. Por anos, aprimorou suas habilidades com colegiais, explorando os caóticos mistérios da adolescência. Por incrível que pareça – talvez devido a uma praga de seus inimigos – sua namorada mais duradoura foi uma garota gótica, uma gordinha que lia livros do Poe e derretia maquiagem sob o sol potiguar. Wando até gostava daquele ar exótico, das pegações no cemitério – todos sabem que a graça de ser adolescente é fazer coisas das quais nos envergonharemos mais tarde – mas acabou por enjoar de tantas recitações de O Corvo e conversas sobre gente morta. Com isso, ele acrescentou mais maldições à sua alma, mas isso jamais preocupou nem desviou nosso inabalável herói de seu destino.

Por fim, mais velho e mais experiente – e mais cara de pau também – Wando atirou-se ao desafio final: a boemia da Ribeira. Mais por insistência – chatice – do que habilidade, rapidamente tornou-se uma lenda local, o famoso “bardo mexicano” – logo se vê que ele era um bom fingidor, além de saber que um suposto estrangeiro teria chances astronomicamente maiores do que um rapaz do interior com as mulheres de Natal. E assim caminhava Wando Goméz Muñoz a passos largos em direção ao cumprimento de seu auto-imposto destino.

Wando gostava de definir-se como “um homem com um coração grande o suficiente para amar todas as mulheres do mundo”, normalmente dito com seu jeitão cafajeste. Havia, porém, entre todas, três que eram suas jóias da coroa, suas silmarils. A primeira era Cleiciane, uma ruiva tão linda, mas tão linda, que havia sido a causa de sete acidentes de trânsito, cinco separações e três suicídios. Ela era tão estonteantemente bela que havia ganhado mais de cinco mil seguidores só no seu primeiro dia no Twitter, e olha que nem falava de memes ou sacanagem. A segunda era Milena, ou darkwitch16 – eu sei que você já teve um e-mail assim – uma moça metida a cult que estudava esoterismo e cursava teatro na UFRN, cheia de fantasias, literal e figurativamente, que fariam qualquer homem delirar feito um ultra-romântico. A terceira era Keyla, que tinha os maiores seios de toda Natal. Certa noite, enquanto fazia amor selvagemente com Wando, ela saltou tantas vezes sobre ele, eufórica, esbofeteando-o com tamanha ferocidade que por muito tempo procuraram quem havia tido a ousadia de surrar o bardo mexicano. Numa outra ocasião, Wando quase morreu sufocado por aqueles mesmos seios. Enfim, não são histórias para serem contadas aqui.

Entretanto, Wando Goméz não estava satisfeito. Faltava-lhe o troféu máximo, a consumação de sua vingança infantil: Helena, a mulher mais cobiçada de todo o místico Rio Grande do Norte. Além de seus exuberantes dotes físicos, ela possuía talentos fantásticos, raríssimos de serem vistos entre mulheres hoje em dia: cozinhava muitíssimo bem, conhecendo receitas que iam além de miojo, pipoca e brigadeiro. Além disso, era educada, refinada e possuía dotes musicais, frutos de seu berço – literalmente – de ouro. Porém, uma mulher de tamanho gabarito não estaria por aí dando sopa. Ela era casada com Rumberval, um homem que tinha mais cabeças de gado em suas fazendas do que pêlos no corpo, e olha que ele cultivava uma hirsuta barba em seu rosto como emblema de sua macheza retrô e seu neo-coronelismo. Claro que fora um casamento arranjado entre as famílias, pois só assim haveria drama suficiente nessa história, e não quero ouvir discussões sobre o quanto isso é clichê.

Wando, assim como onze a cada dez homens que botavam seus olhos sobre a graciosidade angelical de Helena, apaixonou-se por ela instantaneamente. Passou a frequentar programas culturais – algo absolutamente inédito em sua vida – apenas para ver aquela beldade saída diretamente do Google Images, que era onde começavam e terminavam as maravilhas – se você entende o que quero dizer – da internet para Wando. E assim, conforme as noites tórridas de stalkeamento se sucediam, ele tinha cada vez mais certeza de que Helena representava o pináculo de sua vingança, o ápice de sua superioridade frente a todos aqueles que o zuavam, que – assim Wando esperava – estariam gordos e ainda morando com suas respectivas mães, se achando o máximo porque acessavam diariamente o 9gag e entendiam todas as piadas com memes ridículos.

O bardo mexicano tentou utilizar todos os seus truques para chamar a atenção de sua amada Helena, mas nunca lograva êxito. Cantou todo o seu repertório, fez uso de todo seu charme pseudo-hispano-latino, exibiu seu bigode incontáveis vezes, mas nada funcionava. Entretanto, isso apenas aumentava sua vontade de ter Helena em seus braços. Ela simplesmente repelia todos os avanços do bardo mexicano, e embora ele não entendesse o porquê, sabia que algo não estava bem explicado. Ninguém seria capaz de resistir tanto assim a ele simplesmente por querer.

Foi então que Wando recorreu à sua arma mais poderosa. Acionou todas as mulheres que conhecia, criando assim a rede de informações – fofoca – mais poderosa que já passou pelo – “como esse mundo é pequeno” – Rio Grande do Norte. Embora cada uma dissesse uma coisa diferente, o que era absolutamente esperado, Wando pôde notar que o calcanhar de Aquiles de Helena era Rumberval, seu marido extremamente ciumento – bem, de certa forma, ele estava certo em ter ciúmes. O terrível tirano, destruidor de todo amor, prendia sua linda esposa numa luxuosa mansão em Ponta Negra, torturando-a com TV a cabo e tempo ocioso. Seguranças de terno negro assomavam-se em suas muralhas, tornando o lugar impenetrável por qualquer um com menos de 50 horas de experiência prática em Metal Gear Solid no nível hard. Mesmo quando saía, Helena nunca estava sozinha. Os olhos de Rumberval a tudo viam, e de seu escuro trono ele ria, vitorioso, enquanto planejava a morte lenta de todos os homens que se engraçavam para cima de sua companheira – ou prisioneira, entenda como quiser.

Por dias e noites Wando pensou em como enganar o futuro corno. Cogitou penetrar as muralhas do inimigo escondido dentro de um cavalo de madeira, mas achou a ideia absurda, pensando em que tipo de idiota cairia num truque assim. Além disso, teria que vencer o temor da própria Helena, que já havia visto homens com a metade do sex appeal de Wando terem que recolher as próprias tripas no chão. Curiosamente, nosso intrépido protagonista sonhou justamente com uma cena assim, embora estivesse do lado mais saudável da peixeira, pois sua megalomania – ou estupidez, novamente essa decisão fica ao seu encargo – era tamanha que transplantava até para os seus sonhos. Muitos dos companheiros de boemia de Wando tentaram alertá-lo sobre essa temeridade suicida, que Rumberval tiraria duas tiras de couro das costas dele e não haveria João Grilo que o salvasse, mas ele estava surdo de amor. Wando estava tão determinado quanto alguém disposto que completa cem por cento de qualquer Final Fantasy, e portanto nada poderia detê-lo.

E foi então, numa noite de festival da Ribeira, na qual Wando se esgueirava para dentro de um recital de poesia a fim de conhecer alguma gatinha intelectual, que ele teve sua grande ideia. Comprou um pequeno livro de sonetos num sebo – não sem antes pechinchar o abusivo preço de dez reais – no outro dia e se pôs a lê-lo. Procuro o melhor entre os melhores, embora pouco entendesse daquele palavreado todo, e se dedicou a decorar minuciosamente cada um dos catorze versos. Afinou seu violão, compôs uma melodia suave que pudesse acompanhar a recitação, aparou o bigode e comprou roupas novas. Estava pronto para seu golpe final.

Numa abafada – obviamente, pois o clima por aqui é sempre assim – noite de sexta-feira, Wando postou-se sob a janela de Helena, pouco além das muralhas ameaçadoras, e começou sua malfadada tentativa de pseudo-seresta:

Está o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando;
O verso sem medida, alegre e brando,
Despedindo no rústico raminho.

O cruel caçador, que do caminho
Se vem calado e manso desviando,
Com pronta vista a seta endireitando,
Lhe dá no estígio lago eterno ninho.

Destarte o coração, que livre andava
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia, foi ferido.

Porque o frecheiro cego me esperava,
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.

Wando não sabia bem o porquê de ter escolhido aquele soneto – na verdade, ele nem bem entendia tudo que dizia – mas tinha achado que aquela história de pássaro, morte e amor inesperado tinham tudo a ver com sua situação. Entusiasmado, pois Helena a tudo ouvia deslumbrada, começou a folhear a pequena coletânea do mestre lusitano em busca de mais algo de bonito que pudesse recitar, mas antes disso surgiram os seguranças de Rumberval e ele teve de se botar a correr para não ter seu couro arrancado ali mesmo, embora soubesse que sua hora chegaria mais cedo ou mais tarde.

E não demorou muito. Bem à moda antiga, Rumberval desafiou Wando para um duelo, o que invariavelmente não acabaria bem para nenhuma das partes envolvidas. O local escolhido tinha sido a Rua Chile, o que agradou a Wando, pois ao menos seria um lugar bastante poético para se morrer. Em jogo estava supostamente a honra de Rumberval, o marido quase-traído, mas no fundo ele apenas queria uma forma de acabar com o tal violeiro mexicano sem fazer muito esforço. Wando, logicamente, não poderia fugir, pois tinha reputação pela qual zelar – afinal, que mulher gosta de um sujeito frouxo?

A noite estava a cair quando o palco começou a se armar. Primeiro chegaram os duelistas, que se encararam com a ira de alguém cuja internet caiu em pleno domingo a tarde. Pouco tempo depois, apareceram os padrinhos de Rumberval, o que incluía um padre com a extrema-unção já na ponta da língua. E então começaram a surgir as madrinhas de Wando. A primeira foi Keyla, que o apertou num abraço sufocante, dizendo que não poderia viver sem ele. Pouco depois surgiu Cleiciane, cujos cabelos vermelhos pareciam ter entrado em combustão junto com todos os hormônios de seu corpo quando ela viu aquela cena. As duas começaram a discutir, mas rapidamente descobriram que Wando havia prometido a ambas que tinha saído da boemia e iria se dedicar exclusivamente a ela. Enquanto isso, Milena já havia surgido, todas as pragas egípcias fervilhando em sua mente. E várias outras começaram a surgir, vindas de todos os cantos, até lotarem completamente a rua. Wando sorriu, pois sua rede de informações havia lhe servido muito bem mais uma vez, mesmo que seu corpo estivesse perto de ser partido e seus ouvidos já sangrassem.

Rumberval, que já estava ficando impaciente com aquilo tudo, disparou duas vezes para o alto, mas isso só fez a turba se enlouquecer mais ainda. Todas lhe encararam com um olhar assassino e disseram em quase uníssono: “Você não vai matar Wando coisa nenhuma, quem vai matar ele sou eu!”. E assim, a multidão arrastou o bardo por toda Natal, numa mobilização feminina sem nenhum precedente em toda a história do Rio Grande do Norte.

O que poucos sabiam é que meio à multidão do fatídico dia do duelo estava Helena, mais bem disfarçada entre as mulheres furiosas do que um protagonista de Assassin’s Creed. Muitas histórias versam sobre o que se sucedeu após todo o acontecido, mas o que se sabe é que Wando, de alguma forma miraculosamente absurda, conseguiu escapar vivo, abençoado por toda a sorte dos patifes, e ainda levou consigo sua tão cobiçada Helena, que estava mais do que feliz por poder escapar de sua vida monótona e viver um pouco de aventura. O que é certo é que nenhum dos dois foi mais visto pelas terras potiguares. Contasse à boca pequena que formaram uma dupla chamada Wando e Andressa – com um caliente sotaque latino nos dois s – o violeiro e a dançarina, que viajam o Brasil seduzindo, enganando e roubando viajantes desavisados. Da próxima vez que você encontrar supostos ciganos com sotaque engraçado, é melhor tomar bastante cuidado.